segunda-feira, 19 de abril de 2010

Candomblé, Cultura e História



Com o trafego negreiro chegaram ao Brasil africanos escravizados, com eles não só vieram a mão de obra especializada para o trabalho forçado, trouxeram também a uma personalidade, a sua maneira de ser, de se comportar e as suas crenças e cultos. Orixás, Inquices e Voduns.

“As convicções religiosas dos escravos eram, entretanto colocadas a duras provas quando de sua chegada ao Novo Mundo, onde eram batizados “obrigatoriamente” para a salvação de sua alma e deviam-se curvar às doutrinas religiosas de seus mestres” (Orixás, pág. 23 – Pierre Verger)

Mas a extraordinária resistência oposta pelas culturas africanas, contra as forças de alienação e de extermínio, surpreende a todos até hoje. Os africanos vindos de várias regiões da África ocidental tinham em seus grupos mais elaborados o culto de orixás, inquices e voduns, que tinham acima deles a energia suprema de “Olodum Maré”. Segundo os Iorubas, ele criou os orixás para serem intermediários entre os homens e ele, uma energia distante inacessível e indiferente as preces e ao destino dos homens. Portanto está fora da compreensão humana. Não existindo um culto específico a ele.

Na África o culto dos orixás era totêmico e familiar. Isso quer dizer, que numa localidade predominava um único orixá, que cuidava da cabeça de todos do grupo, da família da tribo. Ex. Iemanjá, então todos daquela aldeia ou cidade eram filhos de Iemanjá. Assim por diante em outras regiões e localidades, um orixá não pisava na terra de outro orixá.

Mas com o cativeiro da escravidão o negro africano teve de elaborar a sua resistência não só em grupo, mas também pessoal. Aqui cada indivíduo passou a ter e cultuar o seu próprio orixá.

Por volta de 1839, o reino de Oyó foi ocupado e destruído por árabes e hauças, etnia africana islamizada. A corte de Oyó chega ao Brasil fugida, trazendo uma princesa, Yia Nassô, que junto a outras mulheres de seu reino, Yia Kala e Yia Deka, se interam das condições culturais e religiosas dos africanos na Bahia. E logo depois fundam a primeira casa de candomblé em salvador, a Casa Branca. Reunindo várias culturas e dando o formato à cultura de raiz Keto, nação religiosa Jeje-Nagô, que se conhece até hoje no Brasil. Cultura de resistência afro-brasileira.

A religião dominada por muito tempo pelos africanos tem como centro de existência a natureza, sem ela não existe orixá. Influenciou a cultura religiosa e a cultura profana, do povo brasileiro, culinária, música, dança, costumes, língua e manifestações culturais de vários tipos em todo território nacional.





AO PÚBLICO E AO POVO DO CANDOMBLÉ

Candomblé não é uma questão de opinião. É uma realidade religiosa que só pode ser realizada dentro de sua pureza de propósitos e rituais. Quem assim não pensa, já de há muito está desvirtuado, e por isso podem continuar sincretizando, levando Iaôs ao Bonfim, rezando missas, recebendo os pagamentos, as gorjetas para servir ao pólo turístico baiano, tendo acesso ao poder, conseguindo empregos, etc.

Não queremos revolucionar nada, não somos políticos, somos religiosos daí nossa atitude ser de distinguir, explicar, diferençar o que nos enriquece, nos aumenta, tem a ver com nossa gente, nossa tradição e o que se desgarra dela, mesmo que isto esteja escondido na melhor das aparências. Enfim, reafirmamos nossa posição de julho passado, deixando claro que de nada adiantam pressões políticas, da imprensa, do consumo, do dinheiro, pois o que importa não é o lucro pessoal, a satisfação da imaturidade e do desejo de aparecer, mas sim a manutenção da nossa religião em toda a sua pureza e verdade, coisa que infelizmente nesta cidade, neste país vem sendo cada vez mais ameaçada pelo poder econômico, cultural, político, artístico e intelectual. Vemos que todas as incoerências surgidas entre as pessoas do Candomblé que querem ir à lavagem do Bonfim carregando suas quartinhas, que querem continuar adorando Oyá e Santa Bárbara, como dois aspectos da mesma moeda, são resíduos, marcas da escravidão econômica, cultural e social que nosso povo ainda sofre.

Desde a escravidão que preto é sinônimo de pobre, ignorante, sem direito a nada a não ser saber que não tem direito; é um grande brinquedo dentro da cultura que o estigmatiza, sua religião também vira brincadeira. Sejamos livres, lutemos contra o que nos abate e nos desconsidera contra o que só nos aceita se nós estivermos com a roupa que nos deram para usar. Durante a escravidão o sincretismo foi necessário para a nossa sobrevivência, agora em suas decorrências e manifestações públicas: gente de santo, Iyalorixás, realizando lavagem nas igrejas, saindo das camarinhas para as missas etc, nos descaracteriza como religião, dando margem ao uso da mesma como coisa exótica, folclore, turismo. Que nossos netos possam se orgulhar de pertencer à religião de seus antepassados, que ser preto, negro, lhes traga de volta a África e não a escravidão.

Esperamos que todo o povo do Candomblé, que as pequenas casas, as grandes casas, as médias, as personagens antigas e já folclóricas, as consideradas Iyalorixás, ditas dignas representantes do que se propõem, antes de qualquer coisa considerem sobre o que está falando, o que estão fazendo, independente do resultado que esperam com isto obter.

Corre na Bahia a idéia de que existem quatro mil terreiros; quantidades nada expressam em termos de fundamentos religiosos embora muito signifiquem em termos de popularização, massificação. Antes o pouco que temos do que o muito emprestado.

Deixamos também claro que nosso pensamento religioso não pode ser expressado através da Federação dos Cultos Afros ou outras entidades congêneres, nem por políticos, Ogãns, Obás ou quaisquer outras pessoas que não os signatários desta.

Todo este nosso esforço é por querer devolver ao culto dos Orixás, à religião africana a dignidade perdida durante a escravidão e processos decorrentes da mesma: alienação cultural, social e econômica que deram margem ao folclore, ao consumo e profanação da nossa religião.

Salvador, 12 de agosto de 1983

Assinaram:

Menininha do Gantois - Iyalorixá do Axé Ilé Iya Omin Iyamassé
Stella de Oxossi - Iyalorixá do Ilé Axé Opô Afonjá
Tete de Yansã - Iyalorixá do Ilé Nasso Oke
Olga de Alaketo - Iyalorixá do Ilé Maroia Lage
Nicinha do Bogum - Iyalorixá do Zogodô Bogum Malê Ki-Rundo

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